quarta-feira, 27 de agosto de 2008

A vida, senhor Visconde, é um pisca-pisca

Ela virou, e olhou pro espelho.
Quanto tempo não se olhava.
Quanto tempo não tinha orgulho em se olhar.
Não que ela visse e sentisse orgulho da carne. Não que olhasse para o corpo, apesar de não negar querer mudar aqui e ali. Em um dos seus filmes favoritos, a atriz dizia que não querer nada era sinal de depressão, de desespero.
Mas, simplesmente, ela podia olhar e ver seus olhos.
E ela gostava de olhá-los.
Achava impressionante que poucas pessoas soubessem realmente a cor de seus olhos. Eram claros, sim. Não eram verdes. Tinha perdido a conta de quantas pessoas já a tinham olhado, como se lhe vissem pela primeira vez, e perguntando se os seus olhos eram verdes.
Eram castanhos claros, meio amarelados, meio, cinicamente falando, adocicados. Não eram grandes, e tinham um jeito meio rasgado, um pouco oriental, que ela não sabia de onde tinha vindo.
Alguém também já tinha dito que eles não falavam, que eram capaz de guardar a chave do mundo. Ela podia ser expressiva, mas adorava poder olhar e nada dizer.
Uma vez fechou os olhos do um ex-namorado, e perguntou qual era a cor da sua íris. Ele acertou, ela achou que era a melhor coisa que ele podia ter dito.
Mas ela preferia assim, contava no dedo as pessoas que sabiam, e sendo assim, as que lhe olhavam de verdade.
Ela gostava de olhar pra eles. De ver as nuances diferentes que a luz e o espelho provocavam. Procurar gestos, identificar atitudes, estudar reações.
Assim como adorava olhar diretamente em outros olhos, perscrutando o que estava atrás das palavras, e deixando que a pessoa tentasse devassar o que estava atrás dos seus.
Mas que ninguém se enganasse.
Não era sempre que ela se permitia isso.
Simplesmente, às vezes, se sentia tão errada, que tinha vergonha de olhar pra eles, de enxergar sua própria ação, de olhar diretamente para aquele farol, que mostrava tudo de errado que alguém poderia fazer.
Mas dessa vez não.
Dessa vez ela se sentia feliz.
Tinha vontade de se olhar e sorrir.
De sorrir e viver.
De viver e amar.
Quem não deseja isso?
Quem não quer se olhar no espelho e poder dizer 'enfim!'?
Ela sabia que não era sempre assim.
Ela sabia que, às vezes, teria vergonha de seus atos.
Mas essa noite, ela estava feliz.
Essa noite, seus olhos brilhavam.


* Esse texto é uma reedição do meu antigo Mulher Alterada. Tava relendo alguns posts, gostei, e como tô sem inspiração pra algo realmente decente (ou não ;)), foi ele.

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