quinta-feira, 28 de maio de 2009

You can scratch all over

Parecia um bicho assustado, desses raros, que quase nunca ninguém viu, que dirá tocou.
Uma espécie de unicórnio, dragão, sabe-se lá o quê, mas sendo. Daquele tipo que pessoa alguma sabe descrever ao certo como é; uns dizem grande; outros assustador. Eu não saberia dizer. Eu não conseguia falar.
E também não sabia o que fazer, quando aqueles olhos cor de caramelo e profundos me prescutraram naquela escuridão úmida. Um rápido vislumbre, e qualquer um pensaria que Ela estava com medo - não sei como, mas eu sabia que era Ela.
Dizem que animais assim nos temem mais do que nós à eles. Mas surpresa das surpresas: quem mais parecia um bicho assustado e arisco era eu. Eu tinha mais medo Dela, do que Ela de mim. Fosse a criatura mais indescritível que fosse.
E quanto mais Ela se aproximava, mais atemorizada eu ficava.
Eu sabia que uma hora eu ia ter que encarar aqueles olhos, e antevendo esse encontro, minha pele suava fria, minhas mãos tremiam, assim como as minhas pernas, e minha respiração era tão capenga, que eu não sabia como ainda estava de pé. Mas ainda assim, eu não conseguia me mover nem que fosse para cair no chão. Eu estava em pânico, como nunca antes tinha estado.
E a falta de luz, a falta de um ponto de reconhecimento, me deixava ainda mais assustada. Eu sempre pensei que fosse gritar numa situação assim, que correria, ou ainda mais, que me defenderia. Eu pensei que faria alguma coisa, mas eu nunca me senti tão imóvel, tão impotente. Eu queria fazer alguma coisa e não conseguia me mexer!
Aquele ser ia se aproximando e o meu medo aumentando, tanto, que eu pensei que meu coração fosse explodir de tão alto que batia.
E quando Ela estava há poucos metros, eu senti o ar parar de circular e todo e qualquer som cessar. Igual nesses filmes ridículos de terror, onde só existia aquilo.
Eu só desejei perder os sentidos o mais rápido possível. Qualquer coisa que me 'tirasse' dali, e me causasse menos sofrimento quanto necessário.
E o que vi naqueles olhos, me assustou ainda mais.
Eu vi. Eu A vi.
Era eu, mas não era.
Era Eu, quem eu sempre tinha sido, e talvez já não fosse mais.
Então percebi. Ela me olhava e não me reconhecia. Agora eu já não era parte daquele meu Eu. Eu era a criatura estranha.
E o mais estranho de tudo foi que ao mesmo tempo em que me reconhecia, vi que aquela já não era eu.
Perdi os sentidos quando entendi.

* Quem gosta mais desse tipo de conto é a Mirna. Eu, particularmente, odeio coisas de terror, que se pode fazer. (Sim, eu odeio levar susto, e não assisto filme de terror nem por meio de tortura!)
Mas certas coisas são mais atemorizantes que bichos em florestas escuras ;)

2 comentários:

Paloma Flores disse...

Ah, eu sempre acho que nosso maior inimigo mora dentro de nós mesmos.
É horrível quando a gente se olha e não se reconhece.

Sisa disse...

Tem uma parte de mim que eu aprendi a odiar. Vi que me prejudicava. Aos poucos fui me esforçando pra abandonar, e abandonei. Ou achei que tinha abandonado. Recentemente vi isso sair de mim de novo. Foi só cutucar e apareceu, depois de anos durante os quais achei que não existia mais aquilo em mim. Depois contei chorando pra minha mãe, e ela disse pra eu me acostumar à ideia. Aquilo era eu, e pra sempre eu vou carregar comigo. Triste, mas verdadeiro.